domingo, 21 de novembro de 2010

Melhor Relato de Prática de Artigo de Opinião do Polo Regional Norte

“A prática de pensar a prática é a melhor maneira de pensar certo.” (Paulo Freire)


QUANDO OS SONHOS DRIBLAM AS CIRCUNSTÂNCIAS ADVERSAS
Por: Elisângela Oliveira Silva de Araújo
Eu sempre soube que somos seres verbais. Que a palavra é nossa ferramenta mais íntima, nossa companheira mesmo no silêncio e na solidão, quando nossos pensamentos conjecturam futuros diálogos, relembram dores e alegrias, projetam sonhos... No entanto, apesar dessa nossa relação constante com as palavras, nem todos a usam da forma mais eficiente possível, o que explica a responsabilidade da escola no sentido de promover a inclusão linguística, dando ao aluno a possibilidade de um uso consciente e eficaz de sua língua materna.
Foi com essa compreensão e com muita ansiedade que recebi o material da Olimpíada voltado para a produção do Artigo de Opinião. No dia-a-dia, estamos sempre expondo nosso ponto de vista sobre assuntos variados: futebol, política, fatos cotidianos, ações. Ocorre, porém, que nem todas as vezes que fazemos isso apresentamos um argumento que realmente dê legitimidade ao nosso ponto de vista. Vejo muito isso em sala de aula. Parece que o importante para o aluno é ter um ponto de vista, mesmo que não o saiba justificar, e esta realidade me soa bastante cultural. Era chegada a hora de mudar essa realidade, de fazer o aluno entender que só nos fazemos respeitar por meio do argumento consistente, debatendo e discutindo com firmeza nossa realidade, assegurando o papel ativo de cidadão. Em outras palavras: estava na hora de aprender a usar melhor essa ferramenta tão nossa chamada palavra.
Em primeiro lugar, era preciso incentivar. Além de falar do concurso e de sua premiação, acrescentei que as ações a serem desenvolvidas dali por diante melhorariam o desempenho de cada um na leitura e na escrita, e que essas são para a vida toda. Disse-lhes também que aprender a argumentar e defender um ponto de vista salva casamento, mantém amizades, garante emprego, reconquista amores... Iniciei os trabalhos com um pequeno debate a partir do tema “Desastres naturais: causas naturais, reação à ação do homem ou fúria de Deus?” Meu objetivo era realizar uma diagnose que me desse uma noção mais exata de como agiam meus alunos diante de uma polêmica. Obtive o que queria, mas fiquei muito preocupada em como mudar o quadro que me foi exposto.
Percebi que alguns alunos desrespeitavam a opinião alheia (com frases do tipo: “Não tem nada a ver o que você disse” ou “Quem acha que Deus decide essas coisas é um ignorante”), parte de suas opiniões era fruto de preconceitos, não sabiam expor suas ideias de maneira clara e, quando questionados, dificilmente tinham argumentos realmente bons para justificar o ponto de vista que assumiam, ficavam no “Porque sim!” – ainda em tom agressivo. Diante desses dados, analisei com eles o debate, apontei os problemas percebidos e os incitei a buscar melhorias. Eles aceitaram o desafio.
Nas três primeiras oficinas, houve um grande entusiasmo de boa parte deles: discutiram os textos, trouxeram notícias coletadas em casa e as expuseram no jornal-mural de classe, realizaram uma pesquisa sobre o gênero em estudo e apresentaram o resultado do trabalho para a classe, deram suas opiniões oralmente e por escrito sobre a notícia “Menino de 9 anos é internado após agressão em escola”, mostrando-se bastante conscientes da necessidade do respeito às diferenças, como se vê nos trechos que faço questão de expor a seguir: “O preconceito não tem nenhuma razão de ser. Se Deus nos vê a todos de igual modo, quem é o homem para nos julgar pela aparência? “(Maria Helena Couto); “Está mais do que na hora de cada ser humano aprender a respeitar as diferenças, de amar ao próximo, seja ele quem e como for, pois só assim teremos uma sociedade melhor para viver.” (Suiane Souza)
Se todos os começos são flores, como diz o provérbio popular, da oficina quatro em diante não era mais começo. Os espinhos se apresentaram. Como acharam difícil encontrar ou formular questões polêmicas a partir de fatos nacionais e locais, os alunos mostraram-se desmotivados a realizar as atividades. Disseram que seria difícil encontrar questões polêmicas locais para trabalhar; na opinião deles “aqui em Cruzeiro do Sul nada acontece de polêmico”. Senti então a necessidade de mostrar-lhes que nossos jornais estavam repletos de fatos que envolviam polêmicas.
Solicitei então que trouxessem para a aula seguinte todos os jornais que encontrassem e, diante das notícias lidas por eles mesmos, levei-os a perceber que muitos fatos poderiam gerar confronto entre diferentes pontos de vista, e exemplifiquei perguntando: Deve-se punir um patrão que, mesmo pagando mal e não dando as condições de trabalho adequadas para seus empregados, gera emprego e renda para pais de famílias carentes?; O IBAMA deve usar de razoabilidade na aplicação da lei quando se envolve sonho de famílias carentes? Deve ser proibida a venda de gás nas gaiolas? As diferentes respostas que deram fê-los perceber o quanto tínhamos de polêmica para discutir. Senti-os empolgados diante dessa possibilidade, muitos alunos passaram a ver de modo diferente as notícias locais, e sempre que liam uma nova, levavam-na para a sala e conversavam comigo para ver se a mesma dava uma boa discussão para o texto final. E assim, o trabalho foi acontecendo.
O segundo debate realizado, cuja polêmica a ser discutida era “A mulher tem o direito de tirar a vida de um filho em gestação?”, apresentou alguns avanços. Houve apresentação de dados estatísticos, opinião de lideranças religiosas e médicos, respeito à opinião alheia e melhor articulação das opiniões e argumentos. É claro que nem todos avançaram em todos os aspectos, mas, de modo geral, os alunos entenderam o modo como se deve posicionar diante de uma questão polêmica e quais os argumentos mais adequados para se fazer isso, como os de princípio e crença pessoal, os de autoridade, os de exemplificação, etc.
Após comentar os pontos positivos e negativos do debate, solicitei a primeira produção de artigo, a partir do tema debatido. Em seguida, os alunos foram orientados a trocar os textos entre si e a sugerir as possíveis mudanças que julgassem necessárias. Alguns textos apresentaram boa qualidade, com vozes de especialistas, conceitos científicos e bons argumentos pessoais. Já outros ficaram apenas no lugar comum, sem aprofundamento, sem novidades. Conversamos com os autores dos textos de qualidade inferior e solicitamos a reescrita dos mesmos, baseada nas observações feitas pelos colegas e por mim. Os textos reescritos foram expostos no jornal-mural e era visível a melhoria dos mesmos.
Mas, voltando ao trabalho com os artigos propostos no Caderno do Professor, muitos alunos já se mostravam intolerantes com a análise dos textos. Um deles disse: “_ Já estou enjoado de ler esses textos e não entender quase nada.” Perguntei-lhes então se os textos eram complexos e, para minha surpresa, o coro respondeu: “_ Simmmmmmm!” Segundo eles, os assuntos tratados nos textos e a linguagem dificultavam a compreensão e a análise. Busquei então outros artigos de assuntos mais comuns, cuja linguagem considerava mais objetiva. Foi-me muito útil nesse momento o Caderno do Professor: Pontos de vista, 2a edição, de onde escolhi alguns textos, dentre eles “Violência não, educação sim”, p.67; “A futura gestão dos recursos hídricos”, p. 70; “A cobrança da água”, p. 76; etc. Após essa escolha, percebi que as discussões fluíram com mais naturalidade e que os objetivos propostos foram alcançados, dentre eles, conhecer as expressões que articulam o artigo de opinião, identificar os tipos de argumentos utilizados e as diferentes vozes com as quais os autores dialogam.
Outros textos foram produzidos e/ou reescritos, em grupos e individualmente, colocando em prática os conhecimentos adquiridos, buscando a articulação dos parágrafos e argumentos entre si, conversando com diferentes vozes, usando os diversos tipos de argumentos e muito mais. Percebi que a cada etapa vencida as melhoras se acumulavam e a empolgação crescia.
Foi nesse clima que propus a pesquisa das questões polêmicas locais e cada grupo apresentou empolgadamente seu trabalho. Mas na hora de escolher uma questão única para a produção do texto final, nenhum grupo quis abrir mão de sua questão para acatar a dos colegas, diziam-se familiarizados com seu temas e já estarem pensando a quem entrevistar e que informações buscar.
Não vi isso como um ato de egoísmo, mas como uma questão de empatia com aquilo que construíram em grupo. Decidi então que cada uma das equipes trabalharia com a questão que escolheu, afinal, isso só representava problema para mim, que teria que estudar muito mais para atender a cada um em particular, dominando cada tema escolhido, mas como não tenho medo de bicho-papão... Resolvido o impasse, começou a busca pelas diferentes opiniões, coletadas por meio de entrevistas e pesquisas em livros e internet. Como era de se esperar, nem todos os grupos cumpriram essa etapa de forma satisfatória, o que gerou alguns textos finais pobres de argumentos e sem as diferentes vozes em discussão.
A revisão e reescrita dos textos durou duas semanas inteiras. Todos puderam reler suas produções e, a partir do roteiro para análise de produção, foram orientados para a reescrita. Atendemos cada um individualmente, fazendo correções e intervenções, sugerindo melhoras. Era até onde podíamos ir. Em sala, a missão estava cumprida, os alunos demonstraram aprendizado, evolução. Agora, era esperar...
E que longa espera foi aquela entre a etapa escolar e a regional! Mas pensem qual não foi a alegria quando soubemos o resultado! Imaginem alcançar este feito um aluno de uma escola discriminada por sua localização entre bairros periféricos com alto índice de violência, vista por alguns como “a pior da cidade”, como disse um dia o pai de um aluno! Era um sinal definitivo de que o lugar e a situação não importam, o que importa é trabalhar com seriedade e acreditar: acreditar no alcance que pode ter nosso trabalho, acreditar no potencial de nossos alunos e, acima de tudo, acreditar no futuro!


“O mestre pode ser ponte, mas a travessia é feita pelo aluno”.
(Sant’ Anna, 1997)

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