quinta-feira, 6 de outubro de 2011

“DESFAZENDO MITOS, CONSTRUINDO SABERES E DEFENDENDO MORCEGOS”

"O importante da educação não é o conhecimento dos fatos,
mas dos valores." (Dean William R. Inge)


“DESFAZENDO MITOS, CONSTRUINDO SABERES E DEFENDENDO MORCEGOS”

É comum em nossa região, Cruzeiro do Sul – Acre, a entrada de morcegos em ambientes cujas janelas estejam abertas à noite, como escolas, igrejas, casas. Sabem o que ocorre assim que a tal “visita” chega? Isso mesmo: começa a caça ao morcego! Pessoas com vassouras, rodos, pedras e paus perseguem o mamífero até que ele encontre uma saída e fuja (isso se não fecharem as janelas rapidamente para garantir o resultado da caçada) ou até que alguém (que será ovacionado pela plateia depois do feito “heroico”) o atinja certeiramente, matando-o sem dó nem piedade, afinal, por aqui muitos acham que morcego só faz mal e é um símbolo de mau presságio.
Essa atitude, certamente, é fruto da falta de conhecimento sobre esses animais. O que fazer, então, para mudar isso? Essa foi a pergunta que motivou uma sequência de atividades coordenada por mim, professora Elisângela Oliveira Silva de Araújo, e realizada pelos alunos dos 6os anos “A” e “B” da escola municipal de ensino fundamental Francisca Rita de Cássia Lima Pinto, no terceiro bimestre de 2010, por ocasião do projeto interdisciplinar “Meio ambiente: conhecer para preservar”.
Vale esclarecer que a ideia da sequência veio do Material de Apoio Complementar de Leitura e Produção de Textos para alunos do ensino fundamental da Secretaria de Estado de Educação do Acre, elaborado pelo Instituto Abaporu de Educação e Cultura. Uma vez tendo acesso a esse material, achei interessante trabalhá-lo (a meu modo) no âmbito do projeto já citado, pois assim poderíamos, a um só tempo, discutir a temática em questão (Meio ambiente); ensinar os alunos a estudar um tema por meio da leitura de textos informativos; selecionar informações relevantes sobre esse tema, sintetizando as ideias-base; compartilhar - oralmente e por escrito - saberes adquiridos; elaborar folheto explicativo para conscientizar a comunidade escolar e, por extensão, a comunidade cruzeirense sobre a importância dos morcegos para o meio ambiente, dentre outros. Dessa forma, a leitura e a escrita fariam mais sentido, pois estariam sendo realizadas com finalidades específicas, considerando situações e destinatários reais.
Esclarecido isso, convido-vos a voltar um pouco no tempo comigo e visitar minhas duas salas de aula naqueles dias de intenso trabalho e muita agitação (Projeto é assim mesmo!). Entrem e fiquem à vontade, se o calorão permitir.
Para começo de conversa, precisávamos diagnosticar o que os alunos sabiam sobre morcegos. Por isso, apresentamos a seguinte problematização, que deveria ser respondida por escrito por cada aluno: “Uma garota do interior acordou indisposta, descorada, com náuseas e com uma pequena mancha roxa próxima ao pescoço. Todos no povoado afirmam que ela foi atacada por um morcego e que, provavelmente, vai morrer ou virar vampiro a qualquer momento. Por isso, defendem a extinção desses animais que, segundo eles, só fazem mal aos seres humanos. Considerando o que você sabe sobre os morcegos, qual seria sua opinião sobre o assunto? Justifique sua resposta.”
A tarefa seguinte foi a socialização das respostas. Algumas renderam boas risadas (por exemplo, quando um dos alunos sugeriu que a mancha roxa no pescoço da moça seria um “chupão” dado pelo namorado e que ela estaria grávida, por isso os demais sintomas). Confesso que a resposta tinha certa lógica, mas não respondia ao questionamento. Outras, como era de se esperar, revelavam a falta de informação sobre os morcegos, seus hábitos alimentares e sua função no meio ambiente. Nesse momento inicial, não dei nenhum esclarecimento sobre o assunto, no sentido de classificar informações como verdadeiras ou falsas; solicitei que eles mesmos o fizessem, assim, todos ficaram na maior dúvida, sem saber em que informações deveriam acreditar.
Lancei então o desafio: vamos aprender mais sobre os morcegos? Ao som estridente do “SIM!”, sugeri que, para a aula seguinte, cada um trouxesse alguma informação pesquisada (em livros, revistas, enciclopédias) sobre o assunto, para contar para os colegas. Uma boa parte, que não tinha acesso a material de pesquisa em casa, voltou no dia seguinte sem nenhuma novidade; outros perguntaram aos familiares (que não fugiram muito do conceito geral sobre os animais) e, por fim, um pequeno grupo trouxe algumas informações relevantes que foram comentadas por mim. Alguns se surpreenderam ao ouvir coisas positivas sobre os morcegos, chegando mesmo a desacreditar de algumas delas, como por exemplo, que ajudam no reflorestamento.
Depois desse momento, perguntei-lhes se era importante saber sobre os morcegos. A resposta unânime foi positiva. Propus-lhes então a produção do Folheto Informativo, esclarecendo, todavia, que para informar os outros precisamos, antes de tudo, conhecer bem sobre o assunto e organizar as informações, o que levaria algum tempo de estudo e muita disposição.
Combinado isso, fomos ao gênero. Distribuímos entre duplas de alunos folhetos distribuídos localmente sobre Queimadas urbanas, Malária, Trânsito, Dengue, Violência sexual contra a criança, etc. Solicitamos leitura e comentários voluntários sobre o assunto abordado em cada um, a que público se destina, quem o elaborou e com que propósito, sobre a estrutura do gênero, a função das ilustrações e das cores usadas, sobre o tamanho das letras no título e em outras partes. Os comentários feitos eram anotados no quadro de giz e discutidos com a turma.
No final, eliminamos as informações não pertinentes e construímos, em conjunto, um quadro com as estruturas básicas do gênero. Esse quadro foi exposto em cartaz nas salas de aula em que trabalhávamos o gênero, servindo para consulta a cada vez que trouxemos (professora e alunos) um novo folheto para a aula, o que foi feito com frequência. E cada folheto era lido, discutido e exposto em mural.
A atividade de identificação das características do gênero em outros folhetos era feita a partir das seguintes questões: o texto ocupa uma ou mais folhas? Como são organizadas as instruções? Onde está localizado o título? Qual o assunto do texto? É importante saber sobre isso? O texto tem ilustrações? Se sim, para que elas servem? Qual o objetivo desse texto? Quem produziu o folheto? A linguagem é de fácil compreensão? O que você aprendeu sobre o assunto?
Enquanto essa atividade se processava a cada início de aula, no restante do tempo a turma trabalhava em grupos os temas específicos, como: classificação dos morcegos, ecolocalização, crença popular, motivos para conservação dos morcegos, reprodução, alimentos de cada classe de morcegos (previamente preparados em apostilas, retirados de diversos sites, revistas Ciências Hoje para crianças, textos sugeridos pela Abaporu, etc.).
De posse das apostilas, os alunos realizaram atividades como leitura, seleção de informações, resumo dos textos, esquema do resumo, produção de cartaz, exposição dos assuntos estudados para a turma. Vale ressaltar que todas essas atividades tiveram meu acompanhamento permanente, solicitando melhoras, apontando soluções, esclarecendo dúvidas, selecionando material necessário e assim por diante.
Cada apresentação era acompanhada pelos colegas com atenção e, em seguida, fazíamos, em conjunto, o resumo (no quadro de giz e nos cadernos de notas) das principais informações apresentadas. Feito isso, pedi que cada grupo fizesse o primeiro folheto, definindo apenas as seções a serem apresentadas e entregando gravuras a serem escolhidas pelos grupos a fim de ilustrarem seus textos.
Prontos os folhetos, debrucei-me sobre eles, e quantos problemas havia: desorganização, borrões, pobreza de informações, inadequação da linguagem, incorreções gramaticais (ortografia, pontuação, acentuação, concordância...!). Feitas as devidas observações e orientações aos grupos, era hora da reescrita, que, por alguns, foi feita duas vezes. Enfim, trabalho pronto.
Tínhamos agora que escolher o folheto mais apropriado à divulgação. E essa foi uma tarefa difícil, pois todos os grupos queriam ter seu trabalho escolhido. Para resolver o impasse, tive que apontar pontos positivos e negativos em cada um dos folhetos e os grupos iam transformando isso em pontuação. No final, todos aceitaram como justa a maior pontuação dada ao folheto vencedor, mas solicitaram que algumas partes interessantes dos outros folhetos fossem acrescentadas ao folheto escolhido. Nascia outro trabalho imprevisto, mas o aceitei com prazer, pois me pareceu justo, teríamos então um “folheto coletivo”. E assim foi. Restava agora a minha parte: o trabalho gráfico e de impressão do folheto, que saiu aos quarenta e cinco do segundo tempo!
No dia da culminância do projeto e, consequentemente, da distribuição dos folhetos, os alunos estavam visivelmente orgulhosos pelo trabalho realizado e cheios de informações a dar. Creio que o aprendizado ficou e que até hoje esses alunos defendem os morcegos com “unhas e dentes”.

"Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda." (Paulo Freire)